15 Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a descendência dela; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

Porei representa o primeiro de dois verbos em primeira pessoa empregados a partir daí até o final do capítulo; o segundo verbo é multiplicarei, na fala de Deus à mulher (v. 16). Somente nesses dois textos, Deus proferiu uma sentença que Ele mesmo, pessoalmente, trataria de cumprir.

A primeira seria uma mudança ordenada por Deus, no relacionamento entre a serpente e a raça humana, passando da aparente cordialidade do início do capítulo à inimiza- de. Inimizade é um substantivo feminino derivado da mesma raiz ( ’ãyab, “seja hostil”) que o termo apresentado no particípio, geralmente traduzida por “inimigo”:

וְאֵיבָה

Sentido de inimizade... Hamilton, traduz esse verbo em ambas as frases para que identificasse claramente as ações dos homens e da serpente, e também para deixar em aberto as possibilidades contidas no iminente cumprimento da ameaça de Deus à serpente, que representava, ao mesmo tempo, uma promessa para a mulher (1990, p. 195, 197, 198).

רְעֲךָ

Um pouco sobre Zera. O termo hebraico zé·raʽ é usado em sentido fisiológico em Levítico 15:16-18; 18:20, com referência à emissão de sêmen, como sendo a semente. Em Levítico 12:2, a forma causativa do verbo za·ráʽ (semear) em muitas traduções é vertida pela expressão “conceber” ou “conceber semente”. Em Números 5:28, ocorre uma forma passiva de za·ráʽ junto com zé·raʽ e é traduzida por “feita grávida por sêmen” (NM), “fecundada de sêmen” (Sábado Dinotos; Yg) e “conceberá semente” (Al; Tr).

Consideramos, conquanto que a palavra semente ou descendente "zera" é singular em sua forma, mas pode apresentar tanto um significado singular como plural (coletivo). Deus tomaria providências para que a serpente e os descendentes da mulher se tornassem inimigos. Isso implica algo muito mais impressionante do que mera antipatia ou repulsa que muitos homens sentem por um animal que desprezam ou temem. Trata-se de uma ação feita pelas próprias mãos de Deus, por sua própria declaração.

Se lermos o v. 15 à luz da redenção de Deus, por meio da vida e obra de Jesus, o Messias, enxergamos a promessa de Deus da vitória sobre toda a fonte de tentação. A despeito disso, alguns tradutores judeus chegam a admitir que esta semente poderia ser o primeiro filho de Eva. Conforme creem, era bem provável que Eva inicialmente acreditava que seu filho primogênito Kayin (קַיִן) fosse a própria semente prometida.

Afinal, o milagre do nascimento certamente foi um grande choque para ela, e a fé de Eva na promessa de D-us de que, através de sua semente, viria o Goel – Redentor estava sem dúvida sobre seu coração neste momento.

Quando Eva chama seu filho de ‘Kain’ (que vêm da raiz hebraica do verbo kaná (קָנָה), ‘obter’), ela estava expressando sua fé na promessa de D-us:

קָנִיתִי אִישׁ אֶת יהוה

kaniti ish et Adonay, ‘Obtive um homem – (Alef & Tav) Adonay’ (Genesis 4:1). Conquanto Gênesis 3.15 se tornou muito importante para a teologia cristã e por isso tem agora um título, o protoeuangelion em grego, ou protoevangelium em la­tim - o protoevangelho, ou as primeiras boas-novas da redenção de Deus por intermédio de Cristo.

Jesus Cristo, a Semente da Mulher

Conforme a leitura cristã tradicional desse texto, o Descendente divino da mulher, Jesus Cristo, esmagaria a cabeça da serpente e fi- nalmente revogaria os efeitos do pecado sobre todos os que creem. Entretanto, esse grande feito lhe custaria muito. A serpente o atingiría em seu calcanhar, e seu veneno é mortal. Jesus morreu, mas a morte não pode contê-lo. A inter- pretação tradicional enxerga toda essa história como um presságio, ou seja, o protoevangelho.

É um fato biológico que é da natureza do homem e não da mulher a responsabilidade por transmitir a semente. A Bíblia Hebraica não contém um único caso em que esta lei natural é quebrada. Além disso, o conceito de "semente da mulher" não é exclusiva a Gênesis 3:15 e conseqüentemente não há nada especial sobre o aparecimento da frase neste caso. A comunidade cristã, diante disso, utiliza esse texto sob uma perspectiva do protoevangelho restando a alternativa de que sem a "semente do homem", seria gerado no ventre de umavirgem, a "semente da mulher", Jesus Cristo, o Messias.