É provável que nos tempos mas antigos, quando a história e a doutrina, e mesmo as regras do ritual e da moral, principiaram a ser transmitidas, fosse usada a poesia como meio de impressionar a alma. E é ainda mais provável que tal poesia fosse escrita na forma mais rudimentar, pertencendo a rima e a metrificação a um período posterior da história dos hebreus. Sendo assim, a poesia hebraica, quanto à sua forma, representa um período primitivo de poética expressão. Porquanto, na medida que nos é possível determinar o caráter da poesia bíblica, os versos não eram medidos, a não ser em certos casos, sendo muito raramente usada a rima. Algumas vezes, como se disse, pode a metrificação facilmente achar-se nos cânticos elegíacos, usados pelas mulheres em ocasião de funeral, e nos poemas do mesmo gênero. Tais são, por exemplo, as palavras proferidas pelas carpideiras em Jr 9.18 a 20, e os prantos de Am 5.1 e seg., e as esmeradas lamentações de Jr 1 a 4. Nesta espécie de poesia, o versículo está dividido em várias partes, sendo a sua proporção de 3 para 2 com uma forte cesura entre elas, ‘dando ocasião a um particular ritmo, em que o último membro como que se vai extinguindo’. Chama-se o quiná ou a medida de lamentação. Em que pode, pois, a poesia hebraica distinguir-se na sua forma? Pelo seu ritmo, é a reposta. Um pedaço de prosa em hebreu pode ser beto, mas falta-lhe o ritmo, que é distintivo da poesia. Na poesia hebraica o ritmo tem um equilíbrio não de forma apenas, mas também de significação. A isto se chama tecnicamente paralelismo - e, em todas as introduções ao livro dos Salmos, vêem-se as várias espécies deste gênero de poesia. Basta dizer neste lugar que evidentemente a segunda parte de um verso pode concordar com a exposição da primeira (Sl 19.1), ou pode mostrar o lado oposto da verdade (Sl 1.6), podendo ainda tais paralelismos ser duplos (Sl 103.11,12). Alguns poetas, particularmente, como parece, os das idades posteriores, gostavam de principiar cada linha de um poema com uma nova letra do alfabeto (*vejag. Sl 25) - e num só caso (Sl 119) - cada uma das estâncias principia com a mesma letra, até que as vinte e duas letras do alfabeto hebraico são todas empregadas. ii. o seu caráter. os mais importantes poemas do A.T. são o ‘Cântico da Espada’, de Lameque (Gn 4.23,24) - o cântico de Miriã, ao atravessar o mar Vermelho (Êx 15) - o cântico do poço (Nm 21.17,18) - o cântico de Moisés (Dt 32) - o cântico de Débora (Jz 5) - os extratos do Livro dos Justos, em Js 10.12,13 (a batalha de Gibeom, sob a direção de Josué), e em 2 Sm 1.19 a 27 (a lamentação de Davi a respeito de Saul e Jônatas) - o cântico de Davi (2 Sm 22) - as poesias contidas no livro de isaías (e.g. 5.1 a 7,26) - Salmos, Provérbios, Cantares de Salomão, Lamentações. Além destas obras, muitas profecias tomam até, certo ponto, uma forma poética, mas não são poemas, no sentido restrito da palavra. observar-se-á que nenhum desses poemas é puramente secular, ainda que naturalmente deve ter havido muitos cânticos seculares entre os hebreus (*veja is 23.15 - 24.9). Cantares de Salomão, embora sejam propriamente uma coleção de odes, cantadas durante a semana do casamento, não é, realmente, uma exceção - porque, pela maneira como se acha composta a poesia, logo desde o início houve a compreensão de que ela significava a relação de Deus para com israel. Assim, tudo o que chegou ao nosso conhecimento trata, mais ou menos diretamente, da comunhão da alma individual com Deus ou da íntima relação entre Deus e a nação. E é difícil de saber, em certo número de poemas, qual destes dois assuntos se apresenta, porque a linguagem tanto se pode compreender de um modo como de outro. Mesmo o ‘Eu’ do escritor pode representar a alma da nação, dirigindo-se a Deus. (*veja Salmos.) A profunda experiência espiritual destes poetas é muito notável. Por isso os Salmos têm sido transferidos no seu todo para o culto cristão, pois os cristãos acham neles a expressão daquela comunhão com Deus, a que as suas próprias almas aspiram. iii. A Poesia do N.T. isto podia bem ser exposto sob o título de poesia dos hebreus, porque todos os escritores do N.T. eram judeus, à exceção de S. Lucas - e coisa curiosa é ter ele sido o único que nos faz reviver a parte mais grandiosa das poesias hebraicas. Esta poesia do N.T. representa duas fases. Primeiramente a de judeus piedosos, no tempo em que Jesus nasceu. o Magnificat (Lc 1.46 a 55), o Benedictus (Lc 1.68 a 79), e o Nunc Dimittis (Lc 2.29 a 32) eram, sem dúvida, na sua origem poemas hebraicos ou aramaicos. Em segundo lugar, seria de esperar que após a realização da paz e da alegria pelo Evangelho com o derramamento do Espirito Santo, seguir-se-ia em pouco tempo a formação de hinos cristãos. E parece efetivamente ter sido este o caso, porque achamos fragmentos de tais hinos, que são citados por S. Paulo para ilustração das suas próprias palavras, em Ef 5.14 e em 1 Tm 3.16. Trata-se somente de fragmentos, mas eles apresentam o lado moral e doutrinal da revelação de Cristo, fazendo ver ao mesmo tempo duas das grandes funções da poesia sagrada, isto é, auxiliar a memória na preservação de verdades, e despertar a alma para uma íntima comunhão com Deus, podendo assim receber a luz que Deus lhe quer comunicar.