=== CIDADANIA

  1. Entre os Hebreus. Os israelitas tinham uma feroz identificação nacional, o que tem resistido à passagem do tempo, com todas as suas vicissitudes, guerras, exílios e caos. Entre os hebreus, a cidadania contava com várias instituições que a fortaleciam. Antes de tudo. desde o começo a consolidação da nação de Israel requereu muito trabalho e sofrimento. O que é ganho com esforço, não se larga com facilidade. Em segundo lugar, havia a suposição geral de que Yahweh estava executando a sua vontade através da nação de Israel, e coisa alguma era considerada mais importante do que a vontade divina. Em terceiro lugar, um complexo código legal, considerado divinamente transmitido, dava estabilidade e propósito ao povo de Israel. Essas leis eram bastante generosas até no caso de estrangeiros, exigindo plena proteção para os estranhos que habitavam dentro dos portões das cidades de Israel (Êx 12.19; Lv 24.22; Nm 15.15; 35.15; Dt 1.16; 24.17). A única lei que discriminava os estrangeiros era a lei da usura. Os estrangeiros tinham de pagar juros sobre dívidas e empréstimos (Dt 23.20), o que não era cobrado da parte dos israelitas. Havia provisões especiais para os órfãos, os pobres etc. Estes compartilhavam dos dízimos e das ofertas feitas na época da colheita, e também eram beneficiados pelo ano do jubileu (Dt 14.29; 16.10,14; 26.11; Lv 25.6). Em quarto lugar, em Israel a cidadania nunca foi considerada uma questão meramente terrena. Ali acreditava-se que o homem é criatura de Deus, dotada de um destino em Deus e na espiritualidade. Enquanto outras nações tém sido povos religiosos, ninguém pode comparar-se a Israel como uma teocracia, onde a vida religiosa e a vida civil confundiam-se, e onde os lideres religiosos eram, ipso facto, os governantes civis. Ser alguém cidadão de Israel era participar do plano de Deus para a nação, pois, doutra sorte, nem haveria razão para a existência dessa nação.
  2. No Novo Testamento. A cidadania romana (ver At 27.38), a Jus civitatis civitas, era concedida ocasionalmente, pelos imperadores, a cidades ou mesmo a províncias inteiras (Dion Cass. 41.25; Suet. Aug. 47), como também a indivíduos, como recompensa por algum serviço especial prestado ao Estado ou à família imperial (Suet. Aug. 47). O trecho de Atos 22.28 indica que a cidadania romana podia ser adquirida a dinheiro. Paulo já nasceu cidadão romano porque, antes dele, algum membro de sua família, embora de sólidas tradições judaicas, adquirira esse direito. Ele usou sua cidadania romana para protestar por haver sido punido fisicamente, e também para apelar para César, mediante o que ele tinha o direito de scr julgado pelo próprio imperador, a fim de que o seu caso fosse decidido. (Ver At 25.11 e 28.19). A cidadania romana dependia, primariamente, de alguém nascer em algum lugar que fazia parte do império romano, cujos habitantes tinham esse direito. Porém, conforme vimos, Roma era bastante liberal nessa questão de conferir a cidadania a quem não tivesse essa qualificação básica. Por causa dessa liberalidade, os cidadãos romanos ocupavam, em grandes números, a maior parte do mundo civilizado da época. Todavia, não havia regras fixas para esse processo; tudo dependia do governante e das circunstâncias do momento, o que o tornava mais lento ou mais rápido. Júlio César tinha o desejo de estender a cidadania como medida consolidadora do império. A cidadania de Paulo tornara-se realidade por motivo de alguma medida liberal, mediante a qual os judeus da cidade de Tarso passaram a ser reputados cidadãos romanos, embora nos seja impossível determinar quando isso sucedeu. Algumas cidades eram favorecidas, como Filipos, que mantinha posição distinta e bastante cobiçada no começo do império romano, em contraste com outras cidades e províncias. De modo geral, o desenvolvimento da cidadania romana pode ser traçada historicamente. Parte disso, naturalmente, devia-se ao crescimento populacional. Ao fim da guerra púnica, em 240 a.C„ os cidadãos de sexo masculino atingiam o número de 260 mil. Em 124 a.C, esse número crescera para mais de 390 mil. Em 85 a.C., eles já eram 963 mil. E isso era assim porque uma larga porção da Itália havia sido incorporada, quando o privilégio não continuou limitado à cidade de Roma e suas cercanias imediatas. Sob Augusto (quando houve recenseamentos em 28 a.C., 8 a.C. e 14 d.C.), as estatísticas falavam, respectivamente, em 4.063.000, 4.233.000 e 4.937.000. Em 47 d.C., o recenseamento feito na época do imperador Cláudio, deu 5.984.072 cidadãos.
  3. Condições. Um cidadão tinha direitos (iura), privilégios (honores) e deveres (numera). Entre os direitos havia o ius provocations, o direito de apelo ao imperador, nos casos de julgamento. Esse foi o direito que Paulo usou, referido acima. Os deveres incluíam o munus militare, ou dever de serviço militar, e o ius suffragii, o direito de voto. Os honores eram privilégios especiais conferidos pelo senado a cidadãos notáveis. As referências neotestamentárias à cidadania romana (At 16.37,39; 22.25-27,29) mostram que, nos dias de Paulo, esse direito era muito cobiçado e respeitado. Em tempos posteriores, entretanto, a instituição inteira começou a degenerar.
  4. A Cidadania Espiritual, Celestial. Temos o exemplo de Abraão, que buscava a cidadania celeste, confessando-se um estrangeiro neste mundo (Hb 11.10). Paulo, em Filipen- ses 3.20, alude à cidadania espiritual e celeste dos membros da igreja, onde Cristo é o Senhor absoluto. Isso subentende um novo e elevado destino. Isso também empresta uma nova perspectiva ao crente, sobre como ele deve usar apropriadamente a sua vida. Paulo exortou aos crentes de Filipos que vivessem de uma maneira digna do evangelho (Fp 1.27). Os crentes filipenses, que tinham direito à cidadania romana, sem dúvida compreenderam bem a metáfora usada pelo apóstolo. O trecho de Colosscnses 1.13 não usa a palavra “cidadania", mas fala sobre o crente como pertencente ao reino do amado Filho de Deus, o que subentende a nossa cidadania no mundo transcendental. (ID MOF NTI)